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Mourão ri da possibilidade de investigar militares por tortura na ditadura: ‘Vai trazer os caras do túmulo de volta?’

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Jornalista Miriam Leitão publicou áudios nos quais integrantes do Superior Tribunal Militar relatam casos de tortura durante o período militar. Mas, segundo o vice-presidente, isso é coisa do ‘passado’.

O vice-presidente Hamilton Mourão riu nesta segunda-feira (18) sobre a possibilidade de serem investigadas as torturas cometidas por militares durante a ditadura.

Mourão foi questionado sobre os áudios, divulgados pelas jornalista Míriam Leitão em sua coluna no jornal “O Globo”, que mostram sessões do Superior Tribunal Militar (STM) na época do governo ditatorial. Nas sessões, os militares falam sobre as torturas.

Na entrada do Palácio do Planalto, os jornalistas perguntaram a Mourão se ele achava que a revelação dos áudios pode motivar uma investigação.

“Apurar o quê? Os caras já morreram tudo, pô. [risos]. Vai trazer os caras do túmulo de volta?”, afirmou Mourão, que é general da reserva do Exército.

O vice-presidente disse ainda que, para ele, o tema faz parte do passado.

“História, isso já passou, né? A mesma coisa que a gente voltar para a ditadura do Getúlio. São assuntos já escritos em livros, debatidos intensamente. Passado, faz parte da história do país”, tentou amenizar Mourão.

Mourão declarou que houve excessos de “parte a parte” durante o período da ditadura, se referindo à repressão do Estado e aos movimentos de esquerda.

A ditadura teve início em 1964, com a deposição do presidente João Goulart, e durou até 1985. No período, houve registros de tortura, assassinato e perseguição de opositores do governo. Também houve censura à imprensa e a artistas, o Congresso foi fechado e os brasileiros não puderam votar de forma direta para presidente da República.

Em dezembro de 2014, a Comissão Nacional da Verdade divulgou um relatório no qual responsabilizou 377 pessoas por crimes cometidos durante a ditadura, entre os quais tortura e assassinatos. O documento também apontou 434 mortos e desaparecidos na ditadura; e 230 locais de violações de direitos humanos.

Áudios

Ao todo, são mais de 10 mil horas de gravações, e os áudios foram analisados pelo historiador Carlos Fico, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Nos áudios, por exemplo, um general defende a apuração do caso de uma uma grávida de 3 meses que sofreu aborto após choques elétricos na genitália; e um ministro denuncia uma confissão de roubo a banco obtida a marteladas – o suspeito estava preso à época do crime.

Em um trecho revelado pelo jornal “O Globo”, o general Rodrigo Octávio afirma em 24 de junho de 1977, durante o julgamento da Apelação 41.048 que “fato mais grave” suscita a análise da apelação. Ao descrever o assunto a ser julgado, o militar revela que “alguns réus” apresentaram “acusações referentes a tortura e sevícias das mais requintadas”.

Descreve ainda o general que, conforme esses réus, uma mulher grávida de 3 meses sofreu aborto após “castigos físicos” no Doi-Codi, órgão militar da ditadura. Relata também que, conforme o marido dessa mulher, ela sofreu “choques elétricos em seu aparelho genital”.

“Na defesa das salvaguardas dos direitos e garantias individuais, expresso no artigo 153, parágrafo 14 da emenda constitucional 69, como consequência não só de nossa evolução política, lastreada em secular vocação democrática e formação humanística, espírito cristão, com o compromisso assumido na Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovado em resolução da terceira sessão ordinária da Assembleia das Nações Unidas, tais acusações, a meu ver, devem ser devidamente apuradas através de competente inquérito, determinado com base no inciso 21 do artigo 40, da lei judiciária militar, Decreto Lei 1.003 de 69”, afirma o general.

“É preciso que se evidencie de maneira clara e insofismável que o governo, através das Forças Armadas e dos órgãos de segurança, não pode responder pelo abuso e a ignorância e a maldade de irresponsáveis que usam torturas e sevícias para obtenção de pretensas provas comprometedoras na fase investigatória, pensando, em sua limitação cerebral, que estão bem servindo à estrutura política e jurídica regente, quando na realidade concorrem apenas na prática desumana, ilegal em denegrir a revolução retratando a sua configuração jurídica do Estado de Direito e abalando a confiança nacional pelo crime de terror e insegurança, criados na consecução honesta e urgente dos objetivos revolucionários”, acrescenta.

  • ‘Confesso que começo a acreditar nessas torturas’

Em um trecho dos áudios revelados neste domingo pelo jornal “O Globo”, o ministro togado Waldemar Torres da Costa afirma em 13 de outubro de 1976 durante o julgamento da Apelação 41.229: “Começo a pedir a atenção dos meus eminentes pares para as apurações que são realizadas por oficiais das Forças Armadas. Quando as torturas são alegadas e às vezes impossíveis de ser provadas, mas atribuídas a autoridades policiais, eu confesso que começo a acreditar nessas torturas porque já há precedente. ”

  • ‘Prato para os inimigos do regime’

Seis dias depois, em 19 de outubro de 1976, o almirante Julio de Sá Bierrenbach afirma durante o julgamento da apelação 41.264: “Quando aqui vem à baila um caso de sevícias, esse se constitui um verdadeiro prato para os inimigos do regime e para a oposição ao governo. Imediatamente, as agências telegráficas e os correspondentes os jornais estrangeiros, com a liberdade que aqui lhes é assegurada, disseminam a notícia e a imprensa internacional em poucas horas publicam os atos de crueldade e desumanidade que se passam no Brasil, generalizando e dando a entender que constituímos uma nação de selvagens”.

Por Guilherme Mazui, g1 — Brasília


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