Entre essas pessoas, estão o presidente Jair Bolsonaro e filhos, ministros e ex-ministros, deputados e médicos. Relatório será apresentado na próxima terça e votado na quarta.
O relatório final da CPI da Covid deve pedir o indiciamento do presidente Jair Bolsonaro por 11 crimes na condução da pandemia. Também devem ser responsabilizados filhos do presidente, ministros e ex-ministros, funcionários e ex-funcionários do governo, deputados e médicos. No total, deve propor que 63 pessoas sejam indiciadas.
Do anúncio da abertura da CPI, no plenário do Senado, em 13 de abril, até hoje, os senadores interrogaram 59 pessoas na condição de convidadas, testemunhas ou investigadas.
Muitos buscaram proteção no Supremo Tribunal Federal para não ser presos, ficar calados ou não responder a perguntas que pudessem incriminá-los.
Em seis meses de trabalho, assessores do Senado, policiais federais, auditores da Receita Federal e do Tribunal de Contas da União ajudaram a analisar dados fiscais, bancários e telefônicos, mensagens apreendidas em celulares, e-mails, telegramas diplomáticos, contratos e outros milhares de documentos de domínio público e sigilosos.
Nas mais de mil páginas do relatório, que vai ser lido na terça-feira que vem, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) deve afirmar que
- o governo manteve um gabinete paralelopara dar suporte a medidas na área de saúde contra as evidências científicas;
- trabalhou com a intenção de imunizar a população por meio de contaminação natural, a chamada imunização de rebanho;
- priorizou o tratamento precoce sem eficáciacomprovada;
- agiu contra a adoção de medidas não farmacológicas, como o distanciamento social e o uso de máscaras;
- e, deliberadamente, atuou para atrasar a compra de vacinas.
O relatório deve dizer que o governo federal foi omisso e optou por negligenciar o enfrentamento da pandemia.
Com esse raio-X dos comportamentos e atitudes, Renan Calheiros deve indicar o cometimento de 22 crimes diferentes, entre os quais homicídio, genocídio de indígenas, crimes contra a humanidade, corrupção, fraude em licitação, prevaricação e falsificação de documentos.
O relatório deve recomendar que 63 pessoas sejam indiciadas, além de uma empresa, a Precisa Medicamentos, envolvida na suspeita de corrupção na venda da vacina Covaxin ao governo federal.
Bolsonaro e filhos
Segundo o relator da CPI, o presidente Jair Bolsonaro vai ser indiciado por 11 crimes:
- epidemia com resultado morte;
- infração de medida sanitária preventiva;
- charlatanismo;
- incitação ao crime;
- falsificação de documento particular;
- emprego irregular de verbas públicas;
- prevaricação;
- genocídio de indígenas;
- crime contra a humanidade;
- crime de responsabilidade, por violação de direito social e incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo;
- homicídio comissivo por omissão no enfrentamento da pandemia.
A TV Globo apurou que Renan Calheiros também deve pedir o indiciamento de três filhos do presidente:
- o senador Flávio Bolsonaro por advocacia administrativa (quando um servidor se vale do cargo que ocupa para defender interesses privados), incitação ao crime e improbidade administrativa;
- o deputado federal Eduardo Bolsonaro e o vereador Carlos Bolsonaro, por incitação ao crime.
Ministros
O relator deve ainda indiciar três ministros:
- Marcelo Queiroga (Saúde), por epidemia culposa, com resultado morte e prevaricação;
- Onyx Lorenzoni (Trabalho, ex-ministro da Casa Civil e da Cidadania), por genocídio de indígenas;
- Wagner Rosário (Controladoria-Geral da União) por prevaricação.
Ex-ministros e funcionários
O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello deve ser o segundo com maior número de pedidos de indicamento — sete, só atrás do presidente Jair Bolsonaro:
- epidemia com resultado morte;
- incitação ao crime;
- emprego irregular de verbas públicas;
- prevaricação;
- comunicação falsa de crime;
- genocídio de indígenas;
- e crime contra a humanidade.
Outro ex-ministro, Ernesto Araújo (Relações Exteriores), deve ser indiciado por epidemia culposa com resultado em morte e por incitação ao crime.
Também são responsabilizados funcionários ou ex-funcionários de alto escalão do governo, como Élcio Franco, Mayra Pinheiro, Roberto Ferreira Dias, Arthur Weintraub e Fábio Wajngarten.
Deputados
Seis deputados devem estar na lista de indiciados de Renan Calheiros:
- o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, por advocacia administrativa e improbidade administrativa;
- Osmar Terra, por epidemia culposa com resultado morte e incitação ao crime;
- Carla Zambelli, Bia Kicis, Carlos Jordy e Hélio Lopes, por incitação ao crime.
Gabinete paralelo e núcleos
Na lista, devem estar também pessoas apontadas como integrantes do gabinete paralelo, como os empresários Luciano Hang e Otávio Fakhoury, por incitação ao crime, e Carlos Wizard, por epidemia culposa com resultado morte, além da médica Nise Yamaguchi e do virologista Paolo Zanotto, pelo mesmo crime.
A TV Globo também apurou que o relatório vai demonstrar a existência de uma organização com sete núcleos articulados entre si para disseminar conteúdo falso (as chamadas fake news) para a população sobre o combate à pandemia. A CPI constatou que a estrutura oficial do governo foi usada para levar desinformação aos brasileiros.
Parte das informações que devem ser utilizadas no relatório foram compartilhadas pelo Supremo Tribunal Federal a partir de investigações já feitas pela Polícia Federal no inquérito das fake news.
De acordo com a apuração da CPI, o comando vem do presidente da República, Jair Bolsonaro, e dos filhos, que criam e replicam fake news sobre os impactos da pandemia.
O relatório deve dizer que o segundo núcleo (formulador) e o terceiro núcleo (execução e apoio às decisões) são formados por servidores do gabinete da Presidência, incluindo o que ficou conhecido como gabinete do ódio. E o quarto núcleo (político) seria formado por parlamentares, políticos e religiosos que dão suporte às decisões da organização.
Os outros três núcleos estariam mais relacionados a pessoas de fora do governo: o núcleo de produção das fake news e operação das redes sociais; o de disseminação das fake news; e o de financiamento desses conteúdos.
Prevent Senior
O caso da operadora de plano de saúde Prevent Senior, que ganhou destaque ao final das investigações, deverá ter um capítulo à parte.
Para a CPI, a operadora pressionava médicos a prescreverem remédios do chamado kit covid, comprovadamente ineficazes no combate à doença, como parte de um estudo sem o consentimento dos pacientes e em conjunto com o governo federal.
A comissão também apurou indícios de que a Prevent ocultava mortes por Covid.
No relatório, Renan Calheiros deve propor o indiciamento de oito médicos da Prevent e do diretor da empresa, Pedro Benedito Batista Júnior por perigo para a vida ou saúde de outrem, omissão de notificação de doença, falsidade ideológica e crime contra a humanidade.
Se aprovado pela maioria dos senadores da CPI, na votação prevista para quarta-feira, o relatório será enviado à Procuradoria-Geral da República, que terá a tarefa de conduzir as investigações sobre os indiciados com foro privilegiado, como o presidente Jair Bolsonaro, ministros e parlamentares federais.
O relatório será ainda enviado para a primeira instância do Ministério Público Federal e dos estados, que terão de levar à frente as apurações que envolvem os outros indiciados.
Cópias das investigações serão encaminhadas para Polícia Federal e Receita Federal, além do Tribunal Penal Internacional, por causa das acusações de genocídio de indígenas e crimes contra a humanidade.
“O relatório de uma comissão parlamentar de inquérito equivale no processo penal a uma espécie do inquérito policial. Então, em havendo indício ou em havendo provas é necessário pedir o indiciamento dessas pessoas. Foi isso que nós fizemos”, afirmou o senador Renan Calheiros.
“Foi um trabalho gigantesco, uma investigação que se deu à luz do dia, nós contamos com a aderência muito grande na sociedade, com a participação dos meios de comunicação, não pretendíamos investigar corrupção e logo nos deparamos com ela, e tivemos que aprofundar a investigação em todas as direções. Eu acho que foi sim um trabalho satisfatório, que precisa ter continuidade nas instâncias específicas para onde nós o mandaremos”, complementou.
O que dizem os citados
A assessoria do Palácio do Planalto não se manifestou sobre o assunto.
Flávio Bolsonaro afirmou que as acusações contra ele e o governo não têm base jurídica e não fazem sentido.
Por Júlio Mosquera, Jornal Nacional — Brasília