Há quem diga que o carro bicombustível precisa rodar ao menos 10 quilômetros após a troca do combustível; isso, porém, só vale para modelos mais antigos
O AutoPapo consultou fabricantes de sistemas de injeção, a indústria automobilística e a Sociedade de Engenheiros da Mobilidade (SAE Brasil) e responde: essa prática tem algum fundamento, mas não é essencial, ao menos nos modelos mais novos. É que o carro flex que não reconhece combustível tem se tornado coisa do passado. A regra de rodar um pouco mais após o abastecimento é útil apenas veículos bicombustíveis mais antigos, com sistemas eletrônicos menos sofisticados.
O setor de engenharia da Renault, marca que oferece unicamente modelos flex em sua gama de carros de passeio no Brasil, confirma que o sistema de injeção precisa de algum tempo para detectar qual combustível está utilizado, seja ele etanol, gasolina ou a mistura dos dois em qualquer proporção. Esse período é chamado de aprendizagem.
Todavia, de acordo com a empresa, trata-se de um procedimento bastante breve, que, em um carro atual, na maioria das situações não leva mais do que 3 minutos. “Com a evolução dos chamados sistemas calibráveis (compostos por software e componentes), a aprendizagem se tornou mais rápida e muito mais precisa”, esclarece a Renault.
Em carros mais antigos, sistema flex não reconhece combustível tão rapidamente
Nos veículos mais flex antigos, os softwares eram mais lentos e tinham menos parâmetros para seguir. O sistema de injeção não levava em consideração, por exemplo, a leitura da boia do tanque. Tais limitações podiam fazer com que a aprendizagem de combustível não se iniciasse ou que a adaptação não fosse totalmente executada.
Nesses casos, pode-se dizer realmente que o flex não reconhece combustível tão facilmente, pois o veículo podia tentar a partida com pouco combustível, ou ainda com excesso dele. O resultado é que alguns proprietários simplesmente não conseguiam ligar o carro pela manhã, se o tanque estivesse abastecido com etanol.
“A correção para isso era sempre rodar em torno de 10 quilômetros ou 15 minutos”, lembra a engenharia da Renault. Isso vale para os primeiros carros bicombustíveis, que surgiram a partir de 2003. Após 15 anos de mercado, há muitas unidades com a tecnologia mais antiga ainda em uso.
Nesses casos, vale a recomendação de rodar um pouco após alternar o uso de etanol com o de gasolina e vice-versa. E fica mais uma dica: é melhor manter o veículo circulando, e não funcionando em marcha lenta, situação na qual o sistema flex não reconhece combustível com tanta agilidade. “Na condição de veículo parado, o tempo pode ser até 5 vezes maior”, adverte a Renault.
Aprendizagem: a adaptação à gasolina ou ao etanol
Os especialistas consultados pela reportagem, contudo, são unânimes em afirmar que esse período de identificação diminuiu drasticamente, a ponto de fazer com que, atualmente, a recomendação de rodar com o carro após o abastecimento não seja mandatória. “O sistema evolui constantemente. O uso e a aplicação de maior capacidade de processamento da eletrônica faz que novas funções acrescentem maior robustez ao flex”, salienta Fábio Ferreira, diretor de engenharia da divisão de Powertrain Solutions da fabricante de injetores Bosch.
“Os sistemas atuais são bem eficientes em reconhecer qual combustível está no tanque”, acrescenta o engenheiro Henrique Pereira, integrante da Comissão Técnica de Motores Ciclo Otto da SAE Brasil.
Pereira esclarece que o procedimento de adaptação começa ainda no posto, assim que o veículo é ligado. “Durante o abastecimento, há movimentação da boia do tanque, indicando que o nível de combustível aumentou. Ao detectar essa alteração, o sistema entra em alerta e começa a fazer uma série de medições”, afirma.
Esse curto período de aprendizagem inclui ainda a queima de uma pequena quantidade do combustível que estava sendo utilizado anteriormente e permaneceu retida na tubulação do veículo. “Quase sempre o tanque fica localizado atrás, e o motor, na frente. A gasolina ou o etanol que já estava na linha de combustível será injetado antes”, explica o especialista da SAE.
Para a Renault, atualmente não há nem como estipular uma distância específica para o carro percorrer até que a identificação ocorra. “Depende da troca de combustível e da forma de condução do veículo”, pontua. De qualquer modo, o motorista não deve se preocupar. “Esse período de identificação não compromete o uso do carro, pois os ajustes da quantidade de combustível injetada são feitos em milissegundos”, conclui Ferreira, da Bosch.
Menor propensão a erros
Segundo o especialista da SAE Brasil, mesmo que o motorista chegue ao seu destino instantes depois de abastecer, o procedimento de detecção de combustível não será abreviado: assim que o veículo for religado, ele recomeçará automaticamente. Portanto, não há mais esse problema de que o sistema flex não reconhece combustível. “O término dessa adaptação ao combustível se dá apenas quando não houver mais variação do sinal da sonda Lambda, o que indica que o tempo de injeção está ideal”, acrescenta o setor de engenharia da Renault.
Se o processo de identificação for interrompido, o que poderá ocorrer, de acordo com a Renault, é alguma dificuldade para o motor pegar, caso o veículo tiver sido abastecido com etanol após rodar com gasolina. Porém, isso não chega a ser preocupante. “Hoje os veículos possuem estratégias de contorno para um erro de aprendizagem, fazendo com que o veículo ligue após a segunda ou terceira tentativa”, pondera o setor de engenharia da empresa.
Desse modo, a partida do motor é assegurada mesmo com os adaptativos errados. Ou seja: mesmo se o carro não pegar da primeira vez, basta insistir e fazer mais algumas tentativas que a partida acontecerá. Desse modo, proprietário não fica mais na mão, ou melhor, à pé, como num passado recente.
Sonda Lambda é responsável pela identificação do combustível
Na grande maioria dos veículos, o sistema flex não reconhece combustível presente dentro do tanque: a identificação ocorre após a queima. O componente que faz essa leitura chama-se sonda Lambda, ou sensor de oxigênio, e fica posicionado no escapamento, perto do motor.
“A sonda Lambda mede a quantidade de oxigênio presente após a queima, porque a gasolina e o etanol são consumidos de maneira diferente”, destaca Pereira, da SAE Brasil. O sistema de injeção eletrônica detecta mudança de combustível justamente ao perceber perturbações nos sinais emitidos pelo sensor. A partir de então, vai ajustando o ponto da injeção até a queima se estabilizar.
Por Alexandre Carneiro– Auto Papo