Apesar da polarização, questões regionais fazem com que partidos rivais se unam nos estados
O crescimento nas pesquisas de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a filiação de Jair Bolsonaro ao PL geraram mudanças na corrida por governos estaduais em 2022. Apesar da polarização nacional, questões regionais continuam a se impor e devem gerar alianças curiosas, como o apoio petista a um candidato do PDT de Ciro Gomes no Ceará e uma frente que reunirá Bolsonaro e Sergio Moro (Podemos) em torno da reeleição do governador Ratinho Junior (PSD), do Paraná.
Fortalecidos pela ascensão do ex-presidente, petistas passaram a jogar mais duro com aliados como PSB; por conta da entrada do presidente, o PL começou a investir mais em disputas regionais e a ampliar para fora do Congresso a aliança com outros partidos do Centrão, em especial Republicanos e Progressistas (PP).
Parceiros do PT em muitas eleições, integrantes do PSB estão irritados com a insistência do partido de Lula em manter a candidatura do ex-prefeito paulistano Fernando Haddad ao governo de São Paulo.
Os socialistas querem o apoio petista a Márcio França, até como contrapartida a uma união nacional em torno do ex-presidente (o que incluiria a aceitação, pelo PSB, da eventual filiação do ex-governador Geraldo Alckmin, que seria o vice de Lula).
Para piorar, numa reunião no último dia 20 entre dirigentes e lideranças dos dois partidos, entre eles Lula, o PT apresentou a candidatura do senador Humberto Costa ao governo de Pernambuco, estado hoje administrado pelo PSB.
“O PT tem que decidir se quer a Presidência ou os governos dos estados”, avisa o presidente do PSB, Carlos Siqueira. Ele afirma que, apesar do atual favoritismo de Lula, o PT “não pode se sentar na cadeira de presidente antes da eleição”. Ele não descarta a possibilidade de seu partido apoiar Lula apenas de maneira informal.
Siqueira ressalta também que seu partido havia se comprometido a apoiar candidatos petistas em cinco estados – Ceará, Bahia, Rio Grande do Norte e Piauí. Um deputado socialista que pediu para não ser identificado fala em “hegemonismo” do PT, lógica que, para ele, compromete o projeto de formação de uma federação entre os dois partidos e o PCdoB (com a federação, as legendas teriam que se unir nacionalmente por pelo menos quatro anos e seriam obrigadas a lançar apenas um candidato aos governos).
Presidente do PT, a deputada Gleisi Hoffmann diz estar interessada em fechar acordos com o PSB, mas ressalta o tamanho e a importância de seu partido. Segundo ela, “será difícil o PT abrir mão do Haddad”. A deputada demonstrou mais flexibilidade em relação ao caso de Pernambuco – destacou que o PSB ainda não apresentou um pré-candidato ao governo, o que abre caminho para outras opções, mas ressaltou que os petistas não vão “fazer guerra por lá”.
Ela afirma que o PT deverá apoiar candidatos do PSB em estados como Espírito Santo (o atual governador Renato Casagrande) e Rio de Janeiro (o deputado federal Marcelo Freixo). No Rio há ponto de desgaste com o PSB, que quer lançar o deputado federal Alessandro Molon ao Senado, enquanto os petistas insistem em André Ceciliano, presidente da Assembleia Legislativa.
Outro ponto que poderá complicar a eleição fluminense é a eventual candidatura ao governo do prefeito carioca, Eduardo Paes (PSD). Ele tem repetido que não disputará a eleição e que seu candidato é o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, mas ninguém no mundo político afasta a possibilidade de Paes tentar de novo o posto (foi derrotado em 2018 por Wilson Witzel). Entre petistas há quase um consenso que Lula não deixaria de apoiá-lo – poderia até dividir suas bênçãos entre Freixo e o prefeito, mas insistiria em pegar carona no perfil moderado de Paes.
O PT pretende lançar candidatos próprios nos estados que hoje governa, com a provável exceção do Ceará, onde, por conta de acordos anteriores, deverá apoiar um nome do PDT e articula acordos com outros partidos de esquerda em estados como Santa Catarina e Rio Grande do Sul – no Paraná, deverá apoiar o ex-senador e ex-governador Roberto Requião, que tem convites para se filiar ao PT e ao PSB.
A possibilidade de retorno de Lula ao Palácio do Planalto fortalece a posição do PT nas alianças regionais, mas abre uma outra possiblidade de negociação. Interessado em ter uma base sólida no Congresso, o ex-presidente disse a vários aliados que prefere ter um senador do que alguns governadores. Ele alega que governadores vão precisar do presidente, mas este vai necessitar muito dos senadores.
PL nos estados
A filiação de Jair Bolsonaro levou, em tese, o PL para uma posição de radical de direita e mudou o perfil de sua atuação na disputa de cargos executivos. Como outros partidos do Centrão, o PL priorizava eleger deputados e senadores que, depois, negociavam seu apoio ao presidente e a governadores.
Agora, o partido fala em lançar candidatos em até oito estados e em priorizar alianças regionais com dois outros partidos da base governista no Congresso, o Progressista e o Republicanos. Tudo em torno do presidente da República. “Haverá um alinhamento político total com Bolsonaro”, diz o deputado federal Altineu Côrtes (RJ).
Entre outros candidatos a governos, o PL pretende lançar dois ministros do governo federal – Onyx Lorenzoni (Rio Grande do Sul) e Tarcísio Gomes de Freitas (São Paulo) – além do senador Jorginho Mello (SC). Filiado ao PL desde maio, o governador do Rio, Cláudio Castro, tentará se manter na cadeira que herdou de Wilson Witzel, que sofreu impeachment.
Assim que assumiu o Palácio Guanabara, Castro tratou de se aproximar de Bolsonaro, mas a relação, hoje, não é assim tão próxima – o governo fluminense anunciou que não exigirá prescrição médica para vacinas crianças contra a covid. “Há pontos de vista do governador que são diferentes dos do presidente, mas a adesão política é absoluta”, minimiza Cortês. A chapa majoritária terá ainda o senador Romário: eleito pelo PSB, o ex-jogador migrou para o PL e acabou sendo aceito por Bolsonaro.
Apesar da proximidade com o PL forjada pelo apoio do Centrão ao presidente, o PP não deverá seguir à risca a cartilha ditada por Bolsonaro. Na Bahia será mantida a aliança com o PT, que governa o estado (o vice-governador, João Leão, é do PP). Também filiado ao partido, o senador Luis Carlos Heinze, que se destacou na CPI da Pandemia por sua defesa da cloroquina, deverá disputar o governo gaúcho.
“Se o Bolsonaro tivesse vindo para o partido haveria uma adesão absoluta a ele. Como não veio, vamos respeitar as questões regionais”, disse à CNN um deputado federal do PP. Em alguns estados, como São Paulo, o PP vende caro seu apoio ao PL. De olho na formação de uma forte bancada na Câmara dos Deputados, negocia a filiação de puxadores de votos, como Eduardo Bolsonaro ou Carla Zambelli – ambos deveriam seguir o presidente para seu novo partido.
Situação da ‘terceira via’ nos estados
Reforçado pela filiação dos principais nomes da Operação Lava Jato – Sergio Moro e o ex-procurador Deltan Dallagnol –, o Podemos deverá apoiar a reeleição do governador Ratinho Junior, que, por sua vez, tende a manter a adesão a Bolsonaro. Isto apesar de seu partido, o PSD, prever o lançamento da candidatura do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (MG) à Presidência.
O senador Alvaro Dias, provável candidato à reeleição, afirma que a renovação do apoio a Ratinho faz parte de compromisso assumido em 2018. Na prática, a aliança do Podemos com o governador fará com que este seja apoiado pelos hoje inimigos Bolsonaro e Moro, adversários na disputa presidencial e na Justiça.
O partido deverá lançar candidatos em Rondônia, Tocantins, Distrito Federal (o senador José Reguffe) e em Mato Grosso do Sul (a deputada Rose Modesto, hoje no PSDB). O Podemos, que ganhou mais peso com a filiação de Moro, trata de tentar aparar algumas arestas já que o ex-juiz é visto com desconfiança por potenciais aliados, entre eles, alguns que estiveram na mira da Lava Jato.
A mirrada votação de Alckmin na disputa pela Presidência em 2018 abalou a presença nacional do PSDB, mas o partido continuou forte regionalmente: elegeu os governadores em São Paulo, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul. Secretário-geral do partido, o deputado federal Beto Pereira (MS) diz que, em 2022, a legenda terá em torno de dez candidatos a governos estaduais. Em São Paulo e no Rio Grande do Sul, os tucanos serão representados por políticos eleitos vice-governadores por outros partidos – Rodrigo Garcia (ex-DEM) e Ranolfo Vieira Júnior (ex-PTB).
Pereira, porém, diz não ver um sinal de fraqueza do PSDB na escolha de candidatos fora do ninho tucano. Para ele, isso demonstra a confiança na força do partido, algo que, afirma, deverá ser decisivo na eleição da bancada de deputados federais. “Políticos querem ir para partidos fortes”, avalia.
Além de contar com a manutenção do poder nos três estados em que governa, o PSDB tem expectativas favoráveis em Alagoas (o senador Rodrigo Cunha) e em Pernambuco (a prefeita de Caruaru, Raquel Lima). O partido não deverá lançar candidato em Minas Gerais, onde há forte influência do deputado federal Aécio Neves, adversário de João Doria, governador de São Paulo e escolhido para representar o PSDB na disputa presidencial. “Minas é um desafio. Lá, a tarefa é de reconstrução”, diz Pereira.
Presidente do MDB, o deputado federal Baleia Rossi (SP) diz que o partido espera eleger de cinco a seis governadores em 2022 (foram três em 2018) – deverá ter candidatos em estados como Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Roraima e Alagoas.
Na costura dos acordos, mais uma vez a questão regional se impôs à nacional. Em Alagoas, onde a legenda é dominada pelo senador Renan Calheiros e por seu filho, o governador Renan Filho, o MDB contará com o apoio do PT, que será retribuído no Piauí. Em São Paulo, o partido ficará com o PSDB.
Já o PDT vive um dilema em torno da candidatura presidencial do ex-governador e ex-ministro Ciro Gomes. Na avaliação de boa parte dos deputados, especialmente os do Nordeste, será inviável para candidatos de centro-esquerda pedirem votos contra Lula na região. O presidente do partido, Carlos Lupi, rejeita a possibilidade de retirada de Ciro da disputa – e quer lançar um número grande de pedetistas aos governos estaduais. Lupi convocou para o próximo dia 21 uma reunião do Diretório Nacional do partido para referendar a candidatura de Ciro.
A insatisfação de parte da atual bancada com o desempenho até aqui de Ciro e com a perspectiva de lançamento de muitos candidatos tem a ver também com questões financeiras. Candidaturas majoritárias tendem a receber mais dinheiro do partido e a enfraquecer as campanhas dos que buscam vagas na Câmara dos Deputados e em assembleias legislativas.
No Ceará, o partido deverá lançar Roberto Cláudio, ex-prefeito de Fortaleza. No Maranhão, o candidato deverá ser o senador Weverton Rocha. No Rio de Janeiro, o ex-prefeito de Niterói Rodrigo Neves tentará evitar uma polarização entre Claudio Castro e Marcelo Freixo. Nos bastidores, tenta arregimentar apoio no PT, partido que ajudou a organizar. “Metade do PT do Rio quer o Freixo, a outra prefere o Rodrigo”, afirma um pedetista.
Fernando Molica da CNN